Washington em alerta com projeto bilionário da China para ferrovia no Brasil que pode desafiar a hegemonia dos EUA e transformar o comércio global na América do Sul
Projeto ferroviário bilionário conecta Brasil ao Pacífico e desafia a rota tradicional do comércio, gerando impactos econômicos e geopolíticos que podem transformar a dinâmica do mercado sul-americano e a influência global na região.
Os Estados Unidos estão atentos a um ambicioso projeto chinês que promete mudar os rumos do comércio internacional na América do Sul.
Trata-se da Ferrovia Bioceânica, um corredor ferroviário que conectará o Brasil ao Oceano Pacífico, criando uma rota alternativa ao canal do Panamá — atualmente controlado pelos EUA.
De acordo com especialistas, essa iniciativa pode transformar a América Latina em um importante polo industrial e logístico, impulsionando o desenvolvimento regional sob influência chinesa, o que ameaça a tradicional hegemonia americana na região.
O Ministério da Economia do Peru confirmou recentemente que pretende avançar nas negociações junto ao Brasil e à China para viabilizar o projeto, buscando reuniões de alto nível que acelerem a implementação dessa ferrovia interoceânica.

O conceito da Ferrovia Bioceânica remonta à década de 1950, mas só ganhou impulso real a partir dos anos 2000, com a criação da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), assinada por 12 países do continente.
Em 2008, a IIRSA foi incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), vinculado à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), ampliando o debate sobre a integração logística do continente.
O projeto como desafio geopolítico e econômico
Vitor Stuart de Pieri, professor do Departamento de Geografia Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista ao site Brasil247, destaca que o projeto representa uma concorrência direta ao canal do Panamá e pode provocar desconforto em Washington, que tem intensificado esforços para conter a influência chinesa na América do Sul.
Segundo ele, enquanto o canal do Panamá enfrenta uma crise hídrica que limita sua capacidade operacional, a ferrovia surge como uma alternativa estratégica que pode reduzir o domínio dos EUA e ampliar o protagonismo chinês na região.
“A presença chinesa tem incomodado muito Washington. O mundo passa por uma mudança de poder, com o declínio relativo do Ocidente e o surgimento de novos atores globais, especialmente a China”, explica Pieri.
Ele acrescenta que a China aposta em investimentos em infraestrutura para fortalecer laços com países sul-americanos, diferente da postura dos Estados Unidos, que tende a focar em disputas geopolíticas mais diretas.
A possibilidade de os EUA tentarem boicotar o projeto não está descartada.
Pieri avalia que o país pode usar meios diplomáticos indiretos, como estimular instabilidades políticas e ambientais, ou recorrer a uma “guerra híbrida”, envolvendo ONGs e mídias formais e informais para desestabilizar a iniciativa.

Desafios ambientais e econômicos da Ferrovia Bioceânica
No entanto, os desafios para a implantação da ferrovia são grandes, especialmente pelo alto custo financeiro, que deverá envolver investimentos privados significativos, além de preocupações ambientais e sociais.
O impacto sobre áreas florestais e comunidades indígenas ao longo do trajeto é uma das principais questões a serem resolvidas para garantir a viabilidade do empreendimento.
Por outro lado, o projeto pode alavancar setores importantes da economia local, como o agronegócio, a mineração, a construção civil e o setor portuário.
Além disso, a ferrovia tem potencial para promover o desenvolvimento de pequenas cidades e regiões interioranas do continente, muitas vezes isoladas.
“A chegada da ferrovia pode transformar localidades até então periféricas em polos de desenvolvimento, revelando uma nova estratégia chinesa de inserção, que privilegia a infraestrutura em vez da diplomacia condicionada tradicional dos EUA”, aponta Pieri.
Além da ferrovia, a presença chinesa tem crescido em outros setores estratégicos da América Latina, como energia e mineração.
De acordo com o professor, essa atuação mostra que o protagonismo da China no cenário global é “imparável” e tem efeitos relativamente positivos, principalmente por sua postura de respeito a organismos multilaterais, ao contrário das potências ocidentais que, segundo ele, frequentemente desconsideram decisões da ONU.
A mudança da ordem geopolítica com a atuação do BRICS
Essa nova ordem geopolítica, liderada pelos países do BRICS, incluindo a China, deve se consolidar e permanecer como uma tendência dominante nas próximas décadas.
Gabriela Tamiris Rosa Corrêa, doutoranda em economia política internacional pela UFRJ e pesquisadora do LabChina e do GEAP, reforça que os Estados Unidos observam com preocupação o avanço chinês na América Latina e intensificam esforços para manter sua influência na região.
Ela destaca que, sob pressão americana, o Panamá desistiu recentemente da iniciativa chinesa Cinturão e Rota e assinou um acordo que autoriza a presença militar dos EUA no país, contrariando o Tratado de Neutralidade local e alegando espionagem chinesa sem apresentar provas concretas.
“Essa é a expressão nua e crua do imperialismo estadunidense. Não há evidências concretas de espionagem chinesa na América Latina, enquanto as interferências dos EUA na região são amplamente documentadas”, critica a pesquisadora.
Investimentos chineses em infraestrutura e o Novo PAC
A China, por sua vez, tem investido pesado em infraestrutura na América Latina, como exemplificado pela inauguração do porto de Chancay, no Peru, que se tornou um importante ponto de escoamento para o comércio asiático.
Esses investimentos fazem parte do Novo PAC, programa brasileiro que inclui as Rotas de Integração Sul-Americana, onde a Ferrovia Bioceânica é peça central.
Corrêa ressalta que a ferrovia e o porto de Chancay ganham ainda mais importância diante da crise hídrica que ameaça a operação do canal do Panamá, tornando a ferrovia uma alternativa logística cada vez mais atrativa para a China.
Do ponto de vista dos Estados Unidos, essa crescente participação chinesa é vista como uma ameaça direta.
Após a Colômbia aderir à iniciativa da Rota da Seda, o ex-presidente Donald Trump advertiu que os EUA combateriam vigorosamente os projetos chineses na América Latina, incluindo o uso do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para bloquear financiamentos a empresas ligadas à China.
Recentemente, o secretário de Defesa dos EUA afirmou que Washington pretende “recuperar o seu quintal” no canal do Panamá, indicando que a intenção norte-americana é frear a expansão da influência chinesa na região.
A importância estratégica da ferrovia para a autonomia da América Latina
“A Ferrovia Bioceânica responde à necessidade de uma conectividade regional autônoma e de acesso a mercados asiáticos, algo que os Estados Unidos não priorizam para os países latino-americanos”, destaca Corrêa.
A criação de corredores que ligam a América Latina à Ásia pode transformar o continente em um polo industrial competitivo, atraindo investimentos e empresas que buscam rotas logísticas eficientes para exportação.
Essa integração logística alternativa também enfraquece o poder geopolítico dos EUA, ao reduzir a centralidade do canal do Panamá e ampliar a margem de negociação dos países sul-americanos.
O anúncio do governo peruano de reunir Brasil, China e Peru para avançar no projeto da ferrovia confirma o alinhamento estratégico da região em busca de maior autonomia frente aos Estados Unidos.
“Os países da América Latina não querem mais ser receptores passivos de investimentos externos. Eles buscam liderar projetos que alavanquem suas economias e aumentem sua relevância internacional”, conclui a especialista.
Essa parceria com a China amplia as possibilidades de financiamento e cria um contrapeso importante à influência americana, com termos mais negociados localmente e uma postura pragmática.
Fonte: CPG – Click Petroleo e Gas