Um oleoduto associado ao Corredor Bioceânico?
A visita do presidente do Chile, Gabriel Boric, ao Brasil colocou o Corredor Rodoviário Bioceânico no centro das conversas bilaterais com o governo Lula. Ainda que o noticiário político tenha destacado a retomada da relação entre os dois presidentes após desentendimentos diplomáticos, o principal avanço prático da visita foi na agenda de integração física e energética entre os dois países.
A prioridade comum é consolidar o chamado Corredor Bioceânico, uma ligação rodoviária de mais de 4.000 km entre os portos do Sudeste brasileiro — como Santos e Paranaguá — e os portos chilenos de Iquique, Antofagasta e Mejillones, no Pacífico. O trajeto passará por Mato Grosso do Sul, cruzará o Paraguai pelo Chaco, atravessará o norte da Argentina e chegará ao Chile por meio do deserto do Atacama. A obra é considerada estratégica para encurtar em até 12 dias e 5.500 km em comparação à rota do Canal do Panamá o transporte de cargas brasileiras até a Ásia, além de reduzir custos logísticos e ampliar a inserção regional dos países envolvidos. Mas para isso, será preciso uma transformação logística, que envolve temas aduaneiros e infraestrutura portuária para que os portos chilenos estejam aptos para receber os produtos brasileiros, argentinos e paraguaios, como grãos e carnes, em larga escala.
Mas uma proposta paralela começa a ganhar tração: a construção de um oleoduto que acompanhe o traçado do corredor rodoviário. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Gabriel Boric receberam nesta terça-feira (22/4) em mãos o estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que apresenta essa proposta. A ideia foi apresentada em estudos elaborados por técnicos e especialistas brasileiros e chilenos, e já é mencionada nos diálogos entre os dois governos. O projeto prevê a construção de um oleoduto de aproximadamente 2.330 km, ligando Campo Grande (MS) a Antofagasta (Chile), passando pelo Chaco Paraguaio e pelo noroeste argentino. O traçado seguiria majoritariamente a faixa de domínio do corredor rodoviário, reduzindo custos de desapropriação e impactos ambientais.
O duto, em um primeiro momento, seria utilizado exclusivamente para o transporte de petróleo cru exportado pelo Brasil. Em 2023, essas exportações somaram US$ 3,1 bilhões — mais de 6,5 milhões de metros cúbicos ou 41 milhões de barris. Segundo os estudos, mantido esse volume, a infraestrutura poderia recuperar seus custos em pouco mais de um ano de operação a plena carga.
Os documentos utilizados como base de análise não mencionam prazos estimados para a construção, mas indicam que os custos seriam similares aos dos oleodutos OLAC (Araucária–Cuiabá) e OLUC (Uberaba–Cuiabá), conforme metodologia da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O OLAC tem custo estimado em R$ 12,2 bilhões e 1.567 km de extensão; o OLUC, R$ 10,4 bilhões e 1.338 km. Ambos se encontram atualmente em fase de estudos de viabilidade técnico-econômica. Esses projetos serviriam como ramais complementares, levando petróleo das regiões produtoras do Sudeste e Centro-Oeste até Campo Grande.
Há, no entanto, projeções de que o oleoduto possa futuramente ser adaptado para transportar biocombustíveis, como etanol e biodiesel, ampliando sua utilidade e alinhando-se à transição energética em curso na região. O crescimento da frota elétrica no Chile e a queda esperada na produção de petróleo do pré-sal tornam essa possibilidade cada vez mais estratégica.
O projeto integra uma visão mais ampla de integração energética regional, inspirada em redes de dutos já existentes na Europa, América do Norte e Ásia. Essa malha sul-americana, caso venha a se concretizar, poderia futuramente incluir ramais de gás natural e combustíveis renováveis, fortalecendo a segurança energética e a resiliência logística do Cone Sul.
Com a visita de Boric, o oleoduto bioceânico entra na pauta bilateral Brasil-Chile. Sua viabilidade técnica e econômica ainda dependerá de estudos adicionais. Mas a simples colocação da proposta sobre a mesa já sinaliza um novo patamar de ambição na integração entre os dois países.
Fonte: Jota Info