O corredor bioceânico e a ameaça de etnocídio contra os Totobiegosodes
Paraguai e Brasil se preparam para inaugurar o Corredor Bioceânico, um megaprojeto que conectará os oceanos Atlântico e Pacífico através do Chaco paraguaio. A rota atravessa em grande parte a Reserva da Biosfera do Chaco, uma área de quase 8 milhões de hectares, que foi declarada área selvagem protegida pela UNESCO devido à sua riqueza biológica. O Chaco é uma região ecologicamente muito frágil, e qualquer intervenção em seu entorno pode levar a desastres ambientais, como está acontecendo com os recentes incêndios florestais.
Atualmente, os produtores brasileiros utilizam os portos do Atlântico e fazem fronteira com o continente para chegar ao Oceano Pacífico, percorrendo milhares de quilômetros. A nova rota economizará cerca de 10 mil quilômetros para chegar ao continente asiático, daí sua importância estratégica para o Brasil.
Estima-se que, na primeira fase, 3.000 caminhões do Brasil cruzarão o Rio Chaco diariamente, com todas as consequências que isso pode ter para um território historicamente pacífico, onde vive apenas 3% da população do Paraguai. Devido à significativa atividade comercial que o corredor interoceânico gerará entre os gigantescos mercados do Brasil e da China, alguns especialistas já o comparam ao Canal do Panamá.

A rota atravessa territórios indígenas ancestrais e os dos Totobiegosodes, um dos últimos grupos paleolíticos isolados que vivem em isolamento voluntário. Estima-se que haja entre 20 e 30 membros desse antigo clã que continuam resistindo à “civilização” branca nas matas das montanhas do Chaco.
A expansão do Brasil no Paraguai
O Brasil é um país com vocação imperial que, desde os tempos coloniais, desapropriou as terras dos 11 países com os quais faz fronteira. Ele ainda tem litígios com alguns deles. Mas com o Paraguai, sua estratégia consiste na penetração comercial. Para entender essa estratégia, precisamos voltar à década de 1960, durante o auge da Guerra Fria e a ascensão do império americano. Incentivado pelos Estados Unidos, o Paraguai implementou a “Marcha para o Leste”, um projeto que visava romper seus laços históricos com o capital britânico no Rio da Prata e se tornar submisso ao Brasil, o maior aliado ianque da região na época.
A construção do Corredor Bioceânico e da ponte sobre o Rio Paraguai, financiadas pelos dois países, faz parte da estratégia do Brasil para expandir seu comércio com o Paraguai. Com a abertura do corredor, todo o comércio dos dois maiores estados do Brasil, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, migrará para o território do Chaco. Para entender a magnitude da mudança que pode ocorrer em pouco tempo, basta considerar que esses estados ocupam o primeiro lugar nas exportações agrícolas globais, possuem mais de 50 milhões de cabeças de gado e são os primeiros em PIB, superando São Paulo, o estado mais industrializado do Brasil.
É sabido que a expansão brasileira foi caracterizada pela agressividade e violência, impondo costumes, língua e moeda, assim como ocorreu em outras regiões. Com a complacência do Estado paraguaio, essa história se repete no Chaco, onde corporações multinacionais avançam rapidamente para o território Totobiegosode, representando a grave ameaça de um confronto inevitável que pode levar à extinção desse grupo étnico, lar de uma das últimas culturas paleolíticas do planeta.
Fonte: Kaos en La Red