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Ferrovia Bioceânica reforça protagonismo chinês e desafia influência dos EUA na América Latina

Na quarta-feira (04/06/2025), o Ministério da Economia do Peru confirmou a intenção de realizar uma reunião de alto nível com Brasil e China para discutir o avanço da Ferrovia Bioceânica, uma rota que conecta o Atlântico ao Pacífico, oferecendo uma alternativa logística ao canal do Panamá, atualmente sob forte influência dos Estados Unidos.

A proposta, planejada desde a década de 1950, ganhou força a partir de 2000 com a criação da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e foi posteriormente incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da Unasul, em 2008.

O projeto prevê a construção de uma linha férrea interoceânica que ligará o Brasil ao Peru, facilitando o transporte de cargas para a Ásia, especialmente a China, sem a necessidade de passar pelo canal do Panamá.

“A presença chinesa tem incomodado muito Washington. O mundo vive um processo de declínio do Ocidente e ascensão de novos atores, principalmente a China”, afirmou Vitor Stuart de Pieri, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Impactos geopolíticos e econômicos

O especialista destaca que a ferrovia bioceânica compete diretamente com o canal do Panamá, que enfrenta atualmente uma crise hídrica, limitando o fluxo de navios e gerando preocupação nos EUA.

“A chegada da Ferrovia Bioceânica como rota alternativa diminui a influência norte-americana e amplia o protagonismo chinês na região”, explicou Pieri.

Ele aponta que uma possível reação dos EUA pode incluir tentativas de boicote diplomático, estímulo a instabilidades políticas e ações indiretas por meio de ONGs, mídias e pressão internacional.

Desafios e benefícios do projeto

Pieri destaca que os maiores desafios são o alto custo da obra, que exigirá investimento privado significativo, e os impactos socioambientais, especialmente em áreas de floresta e territórios indígenas.

Por outro lado, os benefícios incluem a expansão dos setores de agronegócio, mineração, construção civil e portuário, além de impulsionar o desenvolvimento de cidades do interior da América do Sul, criando novos polos de geração de emprego e renda.

“Esse projeto evidencia o modelo chinês de inserção internacional, baseado em infraestrutura e desenvolvimento, diferente da diplomacia norte-americana, que historicamente condiciona apoio a interesses geopolíticos”, afirma o pesquisador.

Crescimento da influência chinesa na América Latina

Gabriela Tamiris Rosa Corrêa, doutoranda em economia política internacional pela UFRJ e pesquisadora do LabChina, observa que a expansão da presença chinesa na América Latina tem gerado reações dos EUA, que tentam manter sua influência estratégica na região.

Ela cita como exemplo a decisão do Panamá, que em fevereiro de 2025deixou a iniciativa chinesa Cinturão e Rota, e em abril, assinou um memorando de entendimento com os EUA, autorizando presença militar norte-americana no país, contrariando o Tratado de Neutralidade.

“É o imperialismo estadunidense em operação. Não há evidências de militares chineses na região ou de atividades de espionagem, diferente do histórico de intervenções dos EUA na América Latina”, afirmou Corrêa.

Novo eixo logístico e comercial

A pesquisadora destaca que obras como o porto de Chancay, no Peru, e a própria Ferrovia Bioceânica fazem parte de uma estratégia chinesa para garantir alternativas logísticas frente à crise no canal do Panamá e às pressões dos EUA.

“A Ferrovia Bioceânica se torna uma alternativa viável para a China, pois reduz a dependência logística do canal panamenho, ampliando as opções comerciais para a América Latina”, explica Corrêa.

Ela ressalta que o projeto atende à necessidade dos países sul-americanos de aumentar sua autonomia econômica e política, tornando-se hubs industriais e logísticos conectados diretamente aos mercados asiáticos, sem depender das rotas tradicionais controladas por Washington.

“Os EUA percebem o envolvimento do capital chinês nesse projeto como uma ameaça direta à sua influência, e por isso tentam utilizar instrumentos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para bloquear financiamentos a projetos que envolvem empresas chinesas”, afirmou.

Corrêa reforça que há indicações de que Washington pretende ampliar sua presença militar e diplomática na região para contrabalançar o avanço da influência chinesa, conforme ficou evidente nas recentes declarações de autoridades norte-americanas sobre a necessidade de “recuperar seu quintal”.

“A Ferrovia Bioceânica responde a uma demanda histórica dos países sul-americanos por maior integração regional e acesso direto aos mercados asiáticos, algo que os EUA não têm interesse em promover”, concluiu.

Perspectivas futuras

O comunicado recente do governo do Peru, propondo uma reunião com Brasil e China, sinaliza uma estratégia conjunta para acelerar a execução da Ferrovia Bioceânica, fortalecer a integração sul-americana e reduzir a dependência de rotas controladas pelos EUA.

“Os países da América Latina não querem mais ser apenas receptores de investimentos. Estão se posicionando como propositores ativos de projetos estruturantes, buscando parcerias que ofereçam condições mais equilibradas, especialmente com a China”, destacou Corrêa.

A especialista finaliza apontando que o projeto não apenas altera o cenário logístico regional, mas também contribui para a formação de uma nova ordem geopolítica, na qual a América Latina busca maior protagonismo e menor dependência das potências ocidentais.

*Com informações da Sputnik News e Jornal Grande Bahia

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