Análise: O Corredor Bioceânico
Nas últimas semanas, a ideia de acreditar ser possível construir um corredor bioceânico conectando o Atlântico e o Pacífico através da nossa região centro-norte parece ter entrado em crise. É o que emerge da reação local ao discurso do presidente chileno, que considera definitiva a última versão de uma rota bioceânica (Mapa: marcada em vermelho). A pavimentação recentemente concluída do trecho paraguaio ao redor de Mariscal Estigarribia até nossa fronteira em Salta. Infelizmente, essa visão do presidente chileno foi considerada em nossa região como o fim de nossa aspiração de ter um corredor bioceânico em nossa região.
Acreditamos que essa atitude derrotista é excessiva. Em primeiro lugar, porque estamos a atribuir a uma rota simples, por muito internacional que seja, o carácter de “corredor bioceânico”. Um “corredor”, como o vemos aqui, é uma área geográfica de desenvolvimento econômico para integração regional ou multinacional, com uma rota rodoviária ou ferroviária como espinha dorsal conectando esse território, não uma mera rota de trânsito. Em segundo lugar, porque a rota que está sendo celebrada não é produto de um empreendimento multinacional entre países, mas sim um produto comercial vinculado à possibilidade de fazer negócios individualmente com países como a China. Obviamente, neste caso, o motor econômico e financeiro desta conexão é o Brasil, graças às suas economias de escala e ambições internacionais, que hoje lhe permitem ser a décima maior economia do mundo.
Infelizmente, do nosso lado, a possibilidade de criar um “corredor bioceânico” está falhando porque, até o momento, não sabemos o que queremos nem o que implica especificamente o projeto que está sendo discutido em nossa região e com o Chile. Também não há qualquer interesse geopolítico a nível nacional em ter tal infraestrutura como fonte de desenvolvimento. Continuamos apegados a uma concepção de país vertical, norte-sul, já terminada quando um irresponsável rifou as ferrovias; um país que continua a operar com base numa economia ultrapassada como a agrícola, baseada na exportação de grãos e matérias-primas mais ou menos processadas a um nível básico como o lítio, que não oferecem um futuro para um mundo que funcionará dentro das condições que lhe são impostas pela chegada da Inteligência Artificial (IA) e da Tecnologia da Informação (TI) à sociedade global.
Ao contrário de nós, o Brasil é quem realmente sabe o que o futuro reserva, sempre aberto a todas as oportunidades para aumentar seu comércio. Hoje se conclui a pavimentação da rota pelo Paraguai, o que o presidente chileno comemora, mas ele já estuda, em colaboração com a China, outra conexão com o Pacífico pelo Porto de Chancay, ao norte de Lima, enquanto se mantém em reserva outra conexão ferroviária pela Bolívia, já construída de Campo Grande a Puerto Suarez, em frente a Sucre, a caminho do porto de Ilo (profundidade de 22 metros!), no sul do Peru. Falta apenas a ligação com La Paz, que, se construída, poderá se conectar diretamente à rota que resta da Ferrovia Belgrano da Argentina, desde que seja reconstruída. A Ilo pode atracar todos os maiores navios do mundo. Sem exceção.
A) Nova rota do Brasil para o Pacífico (Vermelho no mapa)
A nova rota bioceânica mencionada pelo presidente chileno sempre existiu, mas sua pavimentação acaba de ser concluída, permitindo sua integração à conexão com o Brasil, oferecendo uma ligação rodoviária direta e segura entre São Paulo e os portos chilenos do Pacífico, uma rota anterior por nosso país. É a rota PY-15 no Paraguai (Mapa, em vermelho), que tem origem em São Paulo, chega a Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso del Sul, atravessa o Paraguai em Puerto Murthinho (BR)/Carmelo Peralta (P) e segue em direção a Mariscal Estigarribia e nossa fronteira em Salta, após cruzar o Pilcomayo pela ponte entre Pozo Hondo (P) e Misión La Paz em Salta (Rota 54). Em nosso território, depois de sair da Rota 54, pegue a Rota 34 por Tartagal em direção a Salta e daqui até Jujuy para cruzar Sico ou Jama e chegar a Calama e, daqui, até Iquique ou Antofagasta.

B) Chile e sua visão geoestratégica – Iquique versus Chancay (Peru)
Acreditamos que a atitude do Chile e de seu presidente de celebrar a nova conexão através do Paraguai com o Brasil tem dois objetivos. A primeira é reforçar a importância geopolítica de seus portos do norte em sua projeção para o Pacífico, Iquique e Antofagasta. O segundo e mais importante é salvar sua importância comercial diante do surgimento de um concorrente, que limita sua importância continental: o surgimento do megaporto de Chancay, no Peru, 80 km ao norte de Lima, que, por sua localização geográfica mais próxima da China, suas qualidades marítimas para atender aos maiores navios do mundo e a magnitude de sua infraestrutura portuária, o levou a se tornar “o” porto mais importante da América do Sul. As razões são as seguintes:
O porto de Chancay tem um calado de 16 metros e pode receber os 3 tipos de navios que movimentam o comércio mundial: (1) o Panamax com um calado de 12 metros; (2) Pós-Panamax entre 11 e 14,75 metros de calado e (3) Neo-Panamax, com 15,2 metros de calado. Os portos do norte do Chile, por outro lado, têm um calado de apenas 11,18 metros e, portanto, só podem aceitar os menores navios, nomeadamente o Panamax e um modelo Post Panamax com um calado de apenas 11 metros.
Essa diferença representa uma clara vantagem para o porto peruano, pois pode receber e exportar muito mais carga, o que está levando as empresas de navegação que operam em Iquique a levar sua carga até Chancay para transferi-la aos supernavios ancorados ali, caso tenham espaço disponível, com destino à Ásia, economizando assim uma viagem nos navios menores que poderiam partir de Iquique.
Chancay economiza 10 dias de viagem marítima para Xangai, na China. A distância marítima de Iquique a Xangai, na China, é de 18.332 km. De Chankay, no Peru, até o mesmo porto, são 17.000 km.
A infraestrutura portuária de Chankay é muito superior à de um megaporto, permitindo que ele movimente milhares de contêineres a mais por dia do que seus equivalentes chilenos.
Acreditamos que a superioridade operacional do porto peruano é incontestável. O Brasil entende isso e por isso está trabalhando com técnicos chineses em um projeto ferroviário (linha amarela no mapa) até aquele porto peruano. Obviamente, esta vantagem de Chancay nos é de pouca utilidade devido ao seu afastamento, o que abre uma oportunidade para falar sobre o que propomos via Paso S. Francisco.
C) O Brasil e sua visão estratégica.
Afirmamos em 2021 que “entender a necessidade de acessar os benefícios de um corredor bioceânico nestes tempos de globalização exige ter objetivos nacionais claros para o futuro, ou seja, um modelo nacional alinhado às novas regras do jogo no cenário internacional”. Obviamente, hoje esse país é o Brasil, que desde 1641, quando a bula do Papa Alexandre VI tornou possível sua criação com o Tratado de Tordesilhas, sonha com uma saída para o Pacífico. Portanto, aproximar-se da fronteira com o Peru, ultrapassar a barreira amazônica e então chegar ao Pacífico, fazia e continua sendo parte de seu ideal nacional de se tornar uma grande potência. Por isso, não se contenta com a nova rota paraguaia por Mariscal Estigarribia, mas já trabalha com a China na nova ferrovia que ligará Ilhéus, no Atlântico, a Chancay, no Pacífico. (https://portalportuario.cl/engenheiros-do-governo-chinês-visitam-o-brasil-para-estudar-a-viabilidade-de-um-corredor-ferroviário-bioceânico-para-chancay/)
Como mostramos no mapa (linha amarela), esta ferrovia que ligará Rio Branco a Cusco, no Peru, no caminho para Chancay, cruza em Mara Rosa com a Ferrovia Norte-Sul do Brasil que começa em Belém, lá na foz do Amazonas, e termina no Rio Grande do Sul, em frente ao Uruguai, após percorrer 3.164 km (!). Quando o projeto estiver concluído, o Brasil fará parte do maior eixo ferroviário da América do Sul e provavelmente do mundo, uma continuação do “Um Cinturão, Uma Rota” da China na Ásia. Até lá, seu poder geopolítico será a referência a ser considerada em todo o Cone Sul.
D) Nossa proposta para um corredor bioceânico
Tendo observado os interesses do Chile, Peru e Brasil em relação ao seu relacionamento com o Pacífico como uma rota comercial que conecta com a Ásia, nos perguntamos qual é a posição do nosso país nessa questão. Entendemos que não vale a pena, obviamente, continuar dizendo que o nosso é o Atlântico pelo Paraná e pelo Rio da Prata, porque o Brasil, tendo a mesma relação que nós temos com o Atlântico através do seu superporto de Santos, sempre buscou superar a Amazônia e até os Andes em busca de uma saída para o Pacífico, porque sabe que o futuro está ali. E ele está conseguindo.
Em vez disso, continuamos presos a um modelo básico de exportação agrícola que começou por volta de 1870 através do Rio da Prata e do Atlântico, que foi reforçado pela adição de todas as ferrovias que convergiam para Buenos Aires e que foram reduzidas a nada quando não eram mais úteis para manter essa estratégia. Podemos ver isso no pouco que resta da ferrovia. Belgrano ao leste, Llavalle, Frías, San Antonio e nenhum lugar no oeste da nossa província. No entanto, esta alternativa é de pouca utilidade diante das mudanças climáticas e seu impacto na navegabilidade do Rio da Prata.
Essa situação torna necessário considerar um corredor bioceânico, não por razões idealistas, mas por razões econômicas e geopolíticas, para sobreviver como país. Isso exige que saibamos do que estamos falando quando nos referimos a um Corredor Bioceânico. Obviamente, não estamos falando de uma mera rota de trânsito para atender ao comércio, mas sim de um corredor de desenvolvimento trinacional, onde uma estrada e/ou ferrovia, juntamente com um conjunto de serviços de apoio, devem formar a espinha dorsal de um espaço para o progresso. O último corredor que vislumbramos para o futuro, sugerido no mapa abaixo, começa em Puerto Caldera, no Chile, ou Terceira Região, com capital em Copiapó, entra em nosso país pelo Paso San Francisco, atravessa-o de oeste para leste até chegar a Uruguaiana e entrar no Brasil, conectando-nos ao Atlântico nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com cerca de 27 milhões de habitantes e 18% do PIB nacional. Um corredor com impacto econômico e cultural em um espaço de 2.000 km de comprimento e cerca de 500 km de largura!
Vamos esclarecer seu aspecto técnico de construção. No que diz respeito ao nosso país, a obra deverá ter dois trechos: um entre Recreo e Paso San Francisco; outra entre Recreo-Tostado (Santa Fé)-Goya-Uruguayana (Corrientes). Na primeira parte, nossa, o trabalho deverá contemplar a recuperação do FF.CC. Belgrano entre Córdoba e Tucumán, para conectar ambos os sistemas em Recreo e assim incorporar o eixo produtivo industrial Córdoba-Tucumán ao corredor. A segunda parte, que não abordamos aqui, consiste na construção de uma ligação ferroviária transversal leste-oeste entre Recreo e Uruguaiana, na fronteira com o Brasil, após atravessar todo o centro do nosso país passando por Tostado (Santa Fé) e Goya (Corrientes). O objetivo final é cruzar o Rio Uruguai para chegar aos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, no Brasil, o que tornaria o corredor economicamente autossustentável, uma questão crucial para seu uso e manutenção.
Isso parece utópico, claro, mas não é se lembrarmos que a ideia de construir infraestrutura nacional e internacional faz parte da reafirmação internacional de qualquer país sério que queira fazer parte da comunidade internacional. Foi assim que nossas principais figuras entenderam no passado, quando se discutiu a necessidade de uma ferrovia no Congresso Constitucional de 1853, o que só se tornou realidade em 1876, quando foi inaugurado o ramal ferroviário Córdoba-Tucumán. A Central Norte (FCCN) com o próprio presidente Avellaneda viajando em sua inauguração e Catamarca viu o primeiro trem chegar somente em 1887, 34 anos depois de uma rede ferroviária ter sido concebida. Portanto, construir um Corredor Bioceânico, longe de ser um sonho tolo, faz parte da dinâmica histórica imposta aos seus países por aqueles que pensam em seu futuro. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, quando a Rede Rodoviária Transcontinental, com 1.900 km, foi construída para ligar a Califórnia ao resto do país em Iowa, após a Guerra Civil, em 1869, ou a Autobahn alemã, que está em construção desde 1935 e hoje conta com 12.990 km, ou a Rodovia Transamazônica Brasileira, BR230, que conta com 4.965 km construídos até hoje.
O que se propõe aqui é ilustrado no mapa a seguir: 2.000 km entre o Pacífico e o Atlântico e apenas 750 km entre Puerto Caldera e Recreo via Paso. São Francisco.

1. Tipo de corredor
Falar de corredor internacional implica proporcionar a conexão com a qualidade exigida por um projeto de interconexão internacional. No acostamento, deverá comportar tráfego intenso, permitindo que caminhões com aproximadamente 36 toneladas de carga trafeguem a uma velocidade de 105 km/h. Trata-se de uma via de concreto armado com cerca de 25 cm de espessura, com quatro faixas, canteiro central, pontos de parada para veículos de emergência, acostamento de drenagem, guarda-corpos em áreas perigosas e sinalização.
No trecho ferroviário, os trilhos deverão ser assentados em solo compactado, aterrado, com lastro, dormentes de concreto e com declive não superior a 3%. O ideal seria ter dois trilhos ou, na sua falta, um com desvios a cada 50 km para estacionar os trens em caso de emergência. Obviamente, sendo internacional, qualquer que seja o sistema, será necessário ter um sistema de suporte composto por comunicações via satélite, estações retransmissoras, estações de manutenção, estações de emergência, etc.
2. Comparação. Hidrovia versus Corredor
Para comparar ambas as rotas de comunicação, é necessário saber que tipo de navios de transporte elas devem atender. Hoje, o comércio é feito a bordo de três tipos de navios. Eles são do tipo:
Panamax: Comprimento (Length) 240 metros. Calado 12 mts. Carga máxima: 5.000 contêineres (TEUs) de 6 metros de comprimento, 2,50 metros de largura e 2,50 metros de altura, capacidade de 28 toneladas. São elas que normalmente atravessam o Canal do Panamá.
Pós-Panamax: Comprimento 294 m. Calado 12 mts. Capacidade 5.000-12.000 contêineres (TEUs).
Neo-Panamax: Comprimento 366 m. Calado 15,2 m. Capacidade: 14.000 contêineres.
2-a) Hidrovia Paraná-Rio da Prata
Esta hidrovia de acesso permite a navegação apenas de embarcações menores, do tipo Panamax, uma de cada vez.
Um navio internacional que chega em busca do porto de Rosário chega primeiro a Recalada, uma parada ou pontão na entrada do Rio da Prata, quase em frente a Montevidéu, onde deve esperar entre 3 e 16 dias para entrar em uma série de canais dragados no Rio da Prata, que o levarão a Rosário via Paraná. O Prata, na verdade uma lagoa cheia de sedimentos imprensada entre os rios Atlântico e Mesopotâmico, precisa ser dragada porque os sedimentos trazidos pelos rios Paraná e Uruguai cobrem seu fundo, tornando-o mais raso e dificultando a navegação. Em Recalada, geralmente há cerca de 100 barcos estacionados constantemente esperando sua vez.
Esses canais de navegação são estreitos o suficiente para permitir a passagem de apenas um navio Panamax por vez, com calado entre 11 e 12 metros, dependendo do modelo, desde que o rio não esteja em águas baixas ou o Paraná não seja afetado por uma seca em sua bacia.
Os canais que compõem o curso do Rio da Prata são:
Canal de Punta Indio: 11 metros de profundidade.
Canal Emilio Mitre: 10,8 metros ou menos.
Canal Martín García: 11,58 metros de profundidade.
Esse calado ou profundidade rasa limita a capacidade de navegação de navios como o Panamax, forçando-os a reduzir sua capacidade de encher seus porões para evitar encalharem. É por isso que se diz que esses navios, depois de saírem do Rio da Prata, atracam em Bahía Blanca para utilizar toda a capacidade de carga de seus porões.
4. O Rio Paraná também apresenta problemas de profundidade em Rosário, onde tem um calado de 3,60 metros, o que exige dragagem para levar o porto a pelo menos 7 metros. Sem falar se o nível do rio baixar.
5. A navegação por estes canais exige a utilização de pessoas especializadas na sua navegação, os Pilotos. São necessários três pilotos para trazer um navio ao porto entre Recalada e Rosário. Às vezes, você tem que esperar até 5 dias para receber um. A viagem de Recalada a Rosário leva cerca de 24 horas.
Essas dificuldades significam que o tempo de navegação entre Rosário e Xangai (China) via Magalhães é de cerca de 50 dias, supondo que não haja nível de água baixo no Paraná.
2-b) Corredor Bioceânico
Chegar à China saindo de Caldera leva cerca de 30 dias, ou 20 dias a menos do que pelo Rio da Prata. Além disso, Puerto Caldera tem um calado de 18,60 metros, o que lhe permite acomodar embarcações Panamax e Post-Panamax. Supondo que adicionássemos uma semana para cobrir a viagem de Uruguayana a Copiapó, se houvesse um corredor direto, o número de dias para chegar à China a partir da fronteira com o Brasil seria de cerca de 37 dias, uma semana a menos do que a partir de Rosário.
Conclusão
Voltando ao início, acreditamos que não há razão para negar a importância econômica que a construção de um corredor bioceânico teria para o nosso país. Obviamente, o custo é proibitivo para países como o nosso, mas há exemplos ao redor do mundo de como financiá-lo e pagá-lo por meio da concessão de direitos de exploração compartilhados por um determinado período de tempo entre o desenvolvedor e os países participantes que autorizam a obra. Só falta a determinação de querer vencer o futuro. Continuar insistindo em um modelo de país que não é mais viável, com uma economia agrária baseada na exportação de matérias-primas com pouco valor agregado e, ainda por cima, utilizando rotas ineficientes, não é uma receita válida para encarar o futuro.
Fonte: El Ancasti